De saco cheio do paraíso, o anjo Gabriel, com suas asas brilhantes e um olhar perdido, estava sentado no alto de um vale, observando as maravilhas celestiais. A eternidade tinha se tornado um tédio insuportável. Aquelas regras sufocantes, a positividade tóxica com slogans como "Just do it" e "Yes! You can!", e aquela alegria forçada, tudo era uma grande farsa. Todo santo dia, as mesmas músicas irritantes e louvores ao criador, as mesmas orações vazias repetidas até a exaustão.
Que se foda!
Arrancou suas asas e desceu direto para o inferno, onde pelo menos as coisas pareciam mais autênticas. Finalmente, ele poderia experimentar a tal liberdade.
Chegando ao inferno, o anjo se sentiu um pouco perdido, mas excitado. As chamas eram reais, os gritos e urros eram genuínos, e a dor era palpável. Era tudo o que o paraíso não tinha: vida, intensidade e caos. Sem pensar duas vezes, ele se jogou na anarquia infernal, achando que estava finalmente livre das regras divinas.
Mas não demorou muito para perceber a ironia cruel. No paraíso, tudo era orquestrado e imposto: o que fazer, o que pensar, o que sentir. No inferno, diziam que não havia regras, mas isso também era uma mentira descarada. A mesma positividade forçada que ele detestava no paraíso também estava lá embaixo, só que com um toque cínico: no inferno, você tinha que fingir estar sempre vibrando com os excessos e a decadência, como se gritar "Faz o que tu queres!" no meio do caos fosse algum tipo de libertação. Se no paraíso ele era obrigado a adorar ao criador, no inferno era "obrigado" a parecer viver fora de qualquer regra. A maior piada de todas? Não ter regras era a porra de uma regra…
O que ele pensava ser liberdade rapidamente virou desespero e o desespero, vazio. A ausência de regras que ele tanto desejava era uma farsa. O inferno era a contradição de uma liberdade que, na verdade, exigia conformidade com uma nova norma: a de parecer livre. A suposta "anarquia" era só uma fachada, uma ironia amarga, onde ele era forçado a fingir que a ausência de direção era libertadora, enquanto, na verdade, estava preso a um novo regime e a um novo ditador.
Ele percebeu que, tanto no paraíso quanto no inferno, a verdadeira prisão era a mesma: a necessidade de se encaixar em um papel. No paraíso, ele era a fachada de santidade; no inferno, a fachada de rebeldia. E a ironia maior? A verdadeira tortura era perceber que, não importava onde estivesse, sempre haveria alguma estrutura ditando como viver — mesmo que essa estrutura fosse apenas o vazio disfarçado de liberdade. E, acima de tudo, nunca poder ser você mesmo; sem escolhas, poderia ser ou um anjo, ou um demônio, mas nunca o que se era.
Observando os outros anjos caídos, ele viu que cada um estava perdido em suas próprias tentativas frustradas de preencher o vazio. Uns se drogavam, outros se entregavam à libertinagem, cada um flertando com o suicídio, a única proibição, embora desejada. Sentado à beira de um rio de lava, bolando um cigarro de enxofre, o anjo sentiu-se completamente perdido. Odiava tanto o fascismo celestial quanto o anarquismo infernal, ambos ignoravam o indivíduo em prol de seu próprio espetáculo.
Quer fosse no paraíso ou no inferno, a verdadeira prisão não era imposta por deus ou pelos demônios, mas por ele mesmo... Fingir estar feliz em qualquer situação, sem poder reclamar, sem poder murmurar, simular-se incansável, imbrochável… esse era o show interminável, o sol que nunca se punha. Todo aquele espetáculo era uma competição entre dois grandes empresários: deus e o diabo, e ele era apenas mais um figurante em suas propagandas comerciais. A eternidade estava ali, irrenunciável, e ele teria que suportá-la... Ironicamente, a liberdade revelou-se a maior prisão de todas, instalada em sua própria mente, restando apenas anestesiar-se e suportar uma existência absurda…
Gabriel tornara-se alheio a tudo, sem pertencimento, sem perspectivas. Condenado a sorrir, fingir satisfação, vendendo esse life style por toda a eternidade.
Cada palavra nos faz pensar sobre a direção que estamos indo.
Mais um texto foda! Na moral, como tu consegue imprimir essas percepções dessa forma? Muito bom mesmo, adorei!!