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Foto do escritorRonaldo Gillet

Diário dos Gatos Yon & Mu e o lado (quase) "fofinho" de Junji Ito

Quando pensamos em Junji Ito, a primeira imagem que vem à mente é numa verdadeira "sopa gore" temperada com rostos desfigurados, espirais hipnóticas e outros horrores que podem te fazer esquecer de jantar e ir pra cama mais cedo. Dito isso, posso te afirmar que Diário dos Gatos Yon & Mu, publicado no Brasil pela editora JBC (compre aqui) é uma grata surpresa: uma obra com o DNA do mestre do terror, mas com a capacidade de nos conduzir por um caminho inesperado - o cotidiano de quem divide a vida com gatos.


Mas, não se engane: o que vamos encontrar ao longo dessa jornada segurando nas mãos do famoso "Jorgito" não é uma história comum sobre bichinhos de estimação. O autor japonês, sendo quem é, transforma até as trivialidades em algo memorável e peculiar, como bem eu pretendo te contar nos próximos parágrafos.


O mangá acompanha J-kun, um alter ego do autor, em sua mudança para uma nova casa com sua noiva, A-ko. Junto com ela, vêm dois novos habitantes: Yon, um gato de olhar quase sobrenatural, e Mu, um gatinho que esbanja fofura (como todo gatinho deveria ser, concorda?). Eu esperava, ao abrir o mangá, encontrar algum elemento místico, talvez um gato amaldiçoado ou possuído - é o Junji Ito, afinal. Mas o que encontrei foi uma relação crescente e às vezes conflituosa de J-kun com os felinos, pontuada por toques de humor e momentos que ressoam com quem já teve a vida bagunçada por gatos.


Entre o horror e o cômico


Desde o início, há uma clara intenção de subverter expectativas. Como um admirador de longa data, acostumado ao estilo sombrio de obras como Uzumaki ou Tomie, foi intrigante ver como Ito usou os mesmos recursos visuais que me assustaram em outros mangás para fazer rir. Yon, com seus olhos penetrantes, poderia ser facilmente um vilão saído de um filme como Coraline (lembra dos Botões?), baseado na obra de Neil Gaiman mas aqui ele é apenas... um gato sendo gato. E é exatamente isso que torna a experiência tão rica, já que o mangá brinca com as convenções do horror para capturar o comportamento peculiar e muitas vezes enigmático dos felinos.


Não pude deixar de pensar em como essa dualidade lembra animações como A Noiva Cadáver, onde a estética gótica e elementos potencialmente assustadores são usados para criar algo cativante e, de certa forma, engraçado. Ou mesmo o Hotel Transilvânia, que pega figuras clássicas do horror e as ressignifica para um público que busca leveza e diversão. Junji Ito aplica essa fórmula à sua maneira, misturando a estranheza dos gatos com uma pitada de humor absurdo que só alguém com sua bagagem criativa poderia entregar.


Uma declaração de amor aos pets

Para quem foi ou é tutor de gatos (tenho três: Maju, Raphael e Frodo), o mangá é um espelho. Eu, pessoalmente, já passei pela experiência de dizer “não quero bichos em casa” apenas para, meses depois, ser a pessoa mais apegada ao novo membro da família. Junji Ito traduz esse sentimento com perfeição. Há algo genuíno na forma como ele retrata a resistência inicial de J-kun, que logo dá lugar a um amor quase obsessivo pelos gatos. E, sim, ele faz isso enquanto mantém o clima de "quase horror", como se os bichanos fossem forças sobrenaturais controlando a casa - algo que, convenhamos, não está tão longe da realidade.


Além disso, as fotografias reais de Yon e Mu espalhadas pelo mangá tornam a experiência ainda mais pessoal. É como se o autor dissesse: “Sim, isso aconteceu de verdade, e esses são os verdadeiros protagonistas”. Esse detalhe traz um charme semelhante ao de filmes como Marley & Eu, mas aqui com uma pegada muito mais descontraída e menos dramática.


Leveza e bizarrice

Outra coisa que me impressionou em Diário dos Gatos Yon & Mu foi como uma história tão leve conseguiu ser tão marcante. É um mangá curto, mas que deixa um impacto duradouro. Mesmo que você nunca tenha lido nada do autor, essa obra é uma porta de entrada para entender o estilo único de Ito, especialmente seu senso de humor disruptivo.


A edição da JBC, também merece destaque. A capa que brilha no escuro é um detalhe que adiciona charme à obra, e as 116 páginas passam voando. No final, fica a sensação de ter lido algo simples, mas que carrega uma certa profundidade e quebra expectativas - ingrediente que a relação entre humanos e seus pets quase sempre costuma carregar.


Vamos adotar um gatinho?

Junji-Ito e um de seus felinos

Se você é fã de gatos, de Junji Ito ou apenas de boas histórias, Diário dos Gatos Yon & Mu é uma leitura recomendadíssima. É um lembrete de que mesmo os maiores mestres do horror podem encontrar beleza e humor nas pequenas coisas. Mais do que isso, é uma celebração da vida com gatos - criaturas que, à sua maneira, conseguem transformar nosso dia a dia em algo paradoxalmente estranho e maravilhoso.


E, sim, ao terminar a leitura, fiquei olhando para os meus próprios gatos com uma nova perspectiva. Eles podem não ter o olhar hipnótico de Yon, mas têm seu próprio jeito de dominar a casa. Afinal, como Ito deixa claro, gatos são, no fundo, as criaturas mais misteriosas de todas. Gostou do nosso conteúdo? Que tal apoiar o Yellow Talk? O Yellow também é podcast, e seu apoio pode ajudar o nosso trabalho a crescer cada vez mais. A partir de R$2,00 você já vai estar contribuindo para manutenção do nosso programa. Para dar o seu apoio, basta clicar AQUI.


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